Big Mouth


Animações sempre me divertem. Sejam infantis ou para adultos, elas têm a minha atenção. Confesso que as com conteúdo adulto, estilo “South Park”, “Beavis and Butthead”, Simpsons e até mesmo o extremamente sádico “Three Little Friends” me divertem completamente. As tiradas irônicas, suas cenas violentas e verdades absolutas, mostradas por desenhos que poderiam ser inocentes, têm uma riqueza inestimável.
Essa semana, conversando com pessoas pela internet, me recomendaram “Big Mouth”. A série tem uma temporada com 10 episódios de quase meia hora cada e está disponível na Netflix. Curtinha, do jeito que eu gosto. Fui assistir e passei o dia com a cara na frente do computador. Simplesmente não conseguia parar para fazer mais nada.
A animação aborda os dramas da puberdade com muita naturalidade e humor. Contudo, preciso ser sincera e avisar que o humor é daquele tipo escrachado, com cara de adolescente que não pode ouvir “pinto”, que já começa a dar risada e fazer piadinhas infames. O que é aceitável, já que os protagonistas são adolescentes e a atitude está dentro do contexto da série. Tem palavrão o tempo todo, coisa que eu adoro, porque acho que torna ainda mais real. Para quem gosta de “American Dad” e “Family Guy”, adianto que “Big Mouth” saiu da cabeça de Andrew Goldberg, produtor delas.
Como 99% das pessoas já passaram pelos temas abordados, a risada vai ser ainda maior com a identificação, lembrando da fase “crítica”. Os personagens principais são Nick, Andrew e Jessi. Com os três e mais alguns personagens, que aparecem com frequência, a série trata de problemas em família, amizade, amor, sexualidade, masturbação e menstruação. Minha adoração maior é por Maurice, O Monstro do Hormônio. Nessa fase, sabemos que as coisas ficam fora de controle no corpo e, nesse caso, o culpado é personificado. Parece aquele diabinho que tenta, tenta até a pessoa cair em sua conversa. E a guerra é praticamente impossível de se vencer, afinal, quem controla os próprios hormônios?
Outra coisa super interessante da série é a forma como a adolescência feminina é abordada. É tanto tabu, que quando encontro um lugar que trata tudo com muita naturalidade, longe do “minha filha agora é uma mocinha”, não posso deixar de passar adiante. Quando Jessi fica menstruada, numa excursão da escola, usando short branco, a reação dos meninos é a esperada: desespero. Também, com Jessi, é mostrado que as meninas têm desejos e os meninos ficam mais assustados ainda, já que para eles nunca foi dito isso. O desejo da mulher é escancarado de forma que não haja dúvidas. Há uma cena dela conversando com a própria vagina que é maravilhosa. Para a menina também há alguém para perturbar suas emoções, que é uma monstra parecida com Maurice. Jessi tem a irritação da TPM, fica com raiva dos pais, não quer ver os amigos, se relaciona e não quer se relacionar mais. Uma bagunça de sentimentos que fazem questão de abafar para as garotas, parecendo que é errado. Spoiler: não é!
Os conflitos adultos também são abordados. Eles são representados pelos pais dos garotos. Tem um casal mais tranquilo, que aceita tudo dos filhos, um casal mais rigoroso, uma mãe que se envolve com outra mulher, um pai que só quer saber de fumar maconha e não liga para as responsabilidades, um pai que só pensa no trabalho e deixa sua família de lado… E, consequentemente, tem a forma como os filhos lidam com tudo isso.
Não é uma série para crianças! Mas é uma boa série para se assistir com os filhos pré-adolescentes e tirar qualquer dúvida que eles tenham. O diálogo aberto dentro de casa é a melhor maneira de se evitar que eles descubram na rua, sem proteção ou de forma errônea. É bom ver que cada dia que passa há mais meios de levar temas que foram tratados por muito tempo como tabus, como algo natural, intrínseco ao ser humano. Quebrar paradigmas e preconceitos enraizados, ditos como culturais, é uma coisa que leva tempo, mas não é impossível. As mudanças dos nossos corpos acontecem independentemente da vontade própria ou da de quem está ao nosso redor. Para os mais conservadores, não indico de forma alguma.
Assisti a versão dublada, já que animação prefiro assim. Até mesmo porque, as piadas são feitas com termos brasileiros e fica ainda mais divertido. Por isso, recomendo que assistam da mesma forma. No mais, se você não curtir a série em si (duvido muito), pelo menos, pode curtir a abertura com uma versão de Charles Bradley para “Changes”, música fantástica da minha queridinha Black Sabbath.

Publicado originalmente aqui.

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