Eu estava decidida a falar sobre “Big Little Lies”, série fantástica da HBO, baseada no livro homônimo de Liane Moriarty. Entretanto, “forças maiores” me fizeram tomar um desvio no caminho e comentar sobre a série polêmica “13 Reasons Why”, também baseada em um livro homônimo; este de Jay Asher. A série estreou dia 1º de abril, na Netflix, e trata de diversos temas polêmicos como suicídio, estupro e bullying. Deu o que falar. Procurei ler o livro antes de assistir aos episódios e achei muito bom. Me emocionou bastante e me fez voar para a série.
Precisei me ater ao fato de que a série é baseada no livro e muita coisa foi modificada. Parecia que o que comecei a assistir, não tinha a ver com o livro, exceto o básico: Hannah, uma garota de 17 se suicidou e deixou 7 fitas gravadas, com os 13 porquês que a levaram a cometer tal ato. A dor já começa daí. Para mim, o suicídio é uma forma muito triste de morrer. Sempre me perguntei se é um ato de coragem absurda ou uma covardia extrema. Acho que é uma das respostas que nunca terei.
E por qual motivo eu resolvi desviar de uma série tão maravilhosa e falar dessa (que também é maravilhosa)? Porque tenho lido muitos comentários nas redes sociais sobre ela. Uns dos que mais me incomodaram são sobre os porquês de Hannah. Parece que as pessoas não entenderam a adolescente ou a mensagem da série. Continuam falando que os motivos da personagem são bobos, que ela é exagerada, sentimental demais. O que a maioria dessas pessoas não consegue perceber é que as situações são vividas individualmente e cada ser humano sente as coisas de uma forma. Talvez Hannah fosse sensível demais mesmo. Isso não diminui o peso da culpa dos outros.
A maldade com que Hannah foi tratada no colégio, começando pelo boato do garoto, que ela tinha ficado, de que a saída deles havia ido além dos beijos, rendeu uma fama desagradável. Era só o primeiro beijo dela. Depois surgiu uma lista maldosa e vingativa, falando que ela tinha a melhor bunda da escola. Muitas pessoas disseram que isso era um elogio; será? Mas, por causa do “simples elogio”, Hannah, que já era vista pelos outros de forma sexual, se tornou ainda mais um objeto de desejo. As piadinhas nos corredores e as mãos tentadas a tocá-la, sem sua permissão, somaram negativamente e resultaram em um dos porquês, que as pessoas consideram mais bobos; eu vejo como um dos piores. Um rapaz tenta chama-la para sair e ela é grosseira com ele; ela não tem motivo para acreditar na boa intenção de ninguém. Ele retribui a grosseria e rouba umas coisas que ela gostava de receber, que a ajudavam a se sentir bem. Quando desconfia dele, ela o envia um recado pedindo que ele a devolva aquilo; ele ignora. O egoísmo desse garoto foi tão grande, que se analisarmos, ele foi o único à quem ela havia pedido ajuda; um pedido claro, que ele não considerou.
Os fatos isolados parecem pequenos; mas somados causam danos. Uma bola de neve sempre começa pequena; porém, você já percebeu o estrago que ela faz, a partir do momento em que ela começa a se mover, vai ganhando tamanho, força e velocidade de pequenas partículas que estão no caminho? A série fala de uma personagem fictícia; mas pense: quantas garotas “reais” se matam, após terem um vídeo íntimo compartilhado, pela internet, por alguém de sua confiança? Até a sensação de segurança, que a menina tinha em casa, roubaram dela. Como ter paz diante disso tudo? Os pais dela não tinham condições para mudarem de cidade; ela não conseguia se abrir com eles ou com qualquer pessoa, porque não era levada a sério. É normal que adolescentes se sintam incompreendidos, perdidos, porém não é normal que todas as pessoas lhe deem as costas. O conceito de comunidade, a qual vivemos, está bem distante disso.
Outro fato polêmico da série são as cenas de estupro, que acontecem com mais de uma personagem. São cenas fortes e entendo a comoção, por causa delas. É óbvio que nem todo mundo tem estômago para assistir aquilo, assim como tem gente que não consegue assistir a um filme de terror, porque sabe que vai ficar com a cena na cabeça, por dias, e sem dormir direito. Por outro lado, penso que as cenas são necessárias, que o “chocar” é necessário, principalmente quando serve para alertar possíveis agressores e possíveis agredidos. Não dá para passar uma vida acobertando o que é errado. Do ponto de vista psicológico, não sei realmente se não funciona; somente um profissional da área para explicar. Ao meu ver, não dá para mostrar aos adolescentes como o mundo funciona de verdade, o que é certo e o que é errado, se tudo não for apresentado, de fato. É importante que cada um saiba o seu limite.
A cena mais chocante, para mim, é a que Hannah corta os pulsos. Eu, que sou sanguinária, senti agonia. Não somente pelo fato de ver a navalha rasgando a pele dos seus pulsos, o sangue jorrando com tanta intensidade, uma cena de extrema violência. Minha agonia foi por desejar fortemente que alguém entrasse ali e socorresse a garota desesperada e a mostrasse que há outro caminho. Entretanto, assim como outros diversos jovens, Hannah, que se sentia sozinha, e era mais sozinha do que as pessoas ao seu redor conseguiam enxergar, morreu sem ninguém por perto. Hannah não teve chance de ser socorrida. Ela se precipitou diante de tantas coisas ruins; por não enxergar uma saída.
“13 Reasons Why” é uma série muito boa, que aparentemente não se preocupa em pegar leve. A sua intenção em chocar, talvez não seja a mais nobre, mas se ajuda a levar esses temas para dentro das casas e salas de aula, se quebra um pouco do tabu, vale a pena. A informação precisa correr, ser espalhada. Mas se ela for prejudicial, conforme já li em algumas matérias, se serve de gatilho para que muitos jovens imitem inconsequentemente o que acontece ali, deveria haver algum tipo controle para quem a assiste. Entretanto, procuro pensar que a série serve de alerta aos pais e a quem tem amigos que se comportam da mesma forma que Hannah, mas que não tinham consciência do que significava. A série tem seu lado positivo e negativo. Caso você tenha depressão, esteja passando por problemas psicológicos ou ache que não aguenta, por favor, não assista. Procure ajuda. É importante ressaltar que, após o lançamento série, a procura por ajuda aumentou 445%. É óbvio que por ser o assunto do momento, haverá uma busca; mas se isso for poupar diversas vidas, já valeu a pena.
São 13 episódios de quase uma hora cada, que valem a pena ser assistidos e refletidos mesmo. No livro, Clay ouve as fitas em um dia só, como a maioria de nós faríamos. Na série, ele leva vários dias, causando nervoso a quem assiste; foi assim comigo. Sem contar a ferida em sua testa, que não cicatriza. A tal ferida só parou de me perturbar, quando li uma boa explicação para ela: como o tempo da série vai e volta e as vezes se encontra, a ferida é para diferenciar os momentos. Ok, deu para perdoar.
A trilha sonora de “13 Reasons Why” é fantástica! A cantora Selena Gomez é produtora executiva da série e tem duas faixas garantidas na trilha. Uma é com “Only You”, regravação do sucesso da dupla britânica Yazoo, que se tornou a música oficial da série. A outra faixa é “Kill Em Kiss Kindness”, versão acústica de uma música que estava no último álbum da cantora. Além de Selena, a trilha tem Joy Division, The Cure e cover de Neil Young. No mínimo, a trilha vai lhe ganhar fortemente.
Os atores combinam com os personagens e fazem um trabalho excelente. As cenas de maior carga emocional são capazes de levar o espectador às lágrimas. Algumas cenas e diálogos são dispensáveis; daria para fazer episódios um pouco menores; a direção de um modo geral é muito boa. A Netflix acertou mais uma vez em produzir série.
Para quem tem curiosidade, mas acha que as cenas podem lhe fazer mal, eu recomendo o livro. Por ter muitas coisas diferentes, apesar de ser fantástico e emocionante, acredito que mesmo mexendo com o emocional, não choca tanto. Jay Asher tem uma forma de escrita leve, mesmo para abordar temas tão pesados. É um livro fácil de ler, difícil de desgrudar e que infelizmente uma hora acaba. Eu queria mais.
O final da série deixa muitas questões em aberto e muitas teorias estão rodando as redes sociais. Algumas com bastante lógica, mas que não vou citar para evitar spoilers. Recomendo que procure no Facebook um grupo voltado para os fãs da série, e leia. Ou pode me chamar no Messenger, que terei prazer em contar sobre as teorias que já li ou, se preferir, procure ouvir algumas novas. Uma segunda temporada não foi confirmada mas, devido ao sucesso, eu acredito que possa ter. As possibilidades de mais uma temporada são claras; contudo, se a série se encerrar ali, também dá para agradar e as respostas ficarem por conta da imaginação de quem assistiu.
Uma das coisas que o personagem Clay Jensen fala é que precisamos ser mais gentis com os outros. A gente não sabe pelo o que as pessoas passaram e / ou estão passando internamente; e fotos de redes sociais, muitas vezes, não refletem a realidade de quem está postando. Evite julgar, maltratar, falar mal. O ser humano anda cruel demais, sem qualquer necessidade. Se eu já tinha o maior respeito pelas pessoas, especialmente, que me cercam, depois dessa série redobrei o cuidado com o próximo. Se estiver precisando de ajuda ou se quiser se voluntariar para ajudar, acesse o site do CVV, envie e-mail, converse através do chat do site ou ligue. O número é o 141. O site:
http://www.cvv.org.br/ É importante saber que existem pessoas disponíveis para um chamado, sempre que for preciso, mesmo que seja um desconhecido. Hannah não conseguiu enxergar uma saída, porque não teve ajuda; contudo, ninguém mais precisa passar pelo o que ela passou. #NãoSejaUmPorquê
Publicado originalmente
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