Uma das maiores indecisões que a gente tem na vida é: ASSISTIR O QUE NO NETFLIX? São tantas opções e é tão divertido ficar olhando o que tem disponível ali, que a gente passa mais tempo olhando filmes e séries do catálogo, do que assistindo a qualquer coisa. Parece surreal, mas a maioria das pessoas que conheço é assim. Ou seja, pela minha pesquisa mundial (entre amigos) essa é uma conclusão mais confiável do que as pesquisas sobre eleições presidenciais.
Então, em uma bela madrugada devastadora, cheia de fome e tédio, abri o famigerado canal de streaming e apareceu, de cara, um homem no meio de duas mulheres quase se beijando e o nome: “Eu Tu e Ela” (me pergunto o motivo de ainda traduzirem os nomes de algumas séries). Eu pensei naquele filme de Regina Casé, mas não era. Era uma série com os dez episódios disponíveis para uma maratona ou uma decepção parcelada em 10x. Choices. Eu escolhi, com aquela cara de desgosto, assistir e perder mais 30 minutos de sono naquele primeiro episódio. O impacto foi imediato: arriei os quatro pneus e apaixonei. Parti para o próximo.
No segundo episódio, eu já achando que a série era diferente de tudo que já tinha visto anteriormente, já louca para assistir ao terceiro, quarto, quinto… todos(!), minha internet, que é daquela empresa que não vou dizer o nome (mas que tinha três letras e agora tem quatro), simplesmente parou. O “embuste” simplesmente não voltou. Fui dormir aceitando que a vida era algo incompreensível, que talvez a internet não voltasse nunca mais ou que o mundo poderia acabar e eu nunca soubesse o fim daqueles três humanos. Vida que segue, não é mesmo?!
Mas vou resumir tudo para ir direto ao assunto: no dia seguinte, de madrugada, eu assisti aos oito episódios que faltavam. Seguidos. Sem parar. Num vício frenético e já desesperada porque queria mais. “Mas, Rafa, do que se trata a série, mulher? Você fala, fala e não diz nada.” Verdade. Vou falar! Agora se sente confortavelmente, que eu vou te contar tudinho. E não se atreva a largar a leitura para correr para o pc. Vá até o fim, do contrário nem com… desculpa, me empolguei.
Jack e Emma Trakarsky são um casal que se ama. Vivem no subúrbio, uma casa boa, empregos estáveis, amigos divertidos e… sem tesão. Sem filhos, planejando um, mas sem sucesso algum, o sexo para eles acaba se tornando uma rotina frustrada do que eles tentam há tanto tempo, mas não conseguem. Eles são acompanhados por uma terapeuta, mas nada muda. A vida do casal só tem uma grande virada quando Jack é aconselhado por seu irmão a sair com uma acompanhante. Entenda: não é uma prostituta, é uma acompanhante. Ele vai conversar com ela, dar uns amassos (talvez), mas transar não está em questão.
Essa acompanhante é a estudante Izzy Silva (Priscilla Faia); tem vinte e poucos anos, mora com uma amiga e é linda. Jack fica louco com a estudante. Arrependido, porém sem tirar a menina da cabeça, ele conta para Emma o que aconteceu. Emma decide se vingar e chama a menina, sem Jack saber, para um jantar, no qual ela revela a “amante” do marido quem é. Sem muitas opções, Izzy seduz a mulher que, veja só: fica louca com a estudante.
E é desse jeito natural, sem grandes alardes, mas com sutilezas, que Izzy é introduzida, de vez, na vida do casal. Sendo assim, temos uma questão tão pouco abordada na TV: o poliamor. Afinal, isso existe? Pode dar certo? Como a sociedade encararia uma situação atípica dessas? Os diálogos são construídos com verdade e humor. Tiradas inteligentes, que quando a gente percebe, são falas que a gente usaria numa conversa com os amigos, colegas de trabalho, vizinhos chatos e adolescentes infestados de arrogância.
O acerto de “You Me Her” é levar para o público um tema atual, mas que pouco se vê sendo comentado. O desenrolar dos episódios se mostra em perfeita sintonia, não tendo nada para que o público questione. Nem mesmo a forma de amor. O questionamento que o público poderia fazer já está dentro da série em forma de amigos que não entendem, mas tentam ajudar e não julgar, em forma de preconceito da família tradicional, em forma de “vou perder meu emprego se descobrirem”… em forma de todas as formas que a mente sombria dos seres humanos poderia ter. Percebemos aí, inclusive, que o maior medo do casal ao inserir uma nova pessoa no relacionamento, não é dessa pessoa, nem de como eles vão se sentir; é de como os outros vão se comportar diante daquela nova estrutura familiar.
No entanto, até os menos liberais, vão acabar torcendo para que o trio dê certo. Os três possuem uma química invejável a muito casal protagonista de filmes românticos. Olhares, sorrisos, gestos e suspiros. Está tudo ali. Evidente e sútil. Escondido nas ruas, aberto dentro de casa.
Um dos pontos altos da série é a relação de Izzy com a amiga Nina (Melanie Papalia) e de Emma com a amiga Carmen (Jennifer Spence). As conversas entre elas são sempre prazerosas de assistir e, mais ainda, se identificar. A seleção de elenco dessa série é louvável, porque não tem ninguém que não esteja em sintonia. Assim como trilha sonora, ambientação, fotografia… tudo muito bem feito e de ótimo bom gosto.
“You Me Her” é uma daquelas séries que vai fazer você se apaixonar, querer fazer parte da vida do trio, torcer por eles, ter amigas como Nina e Carmen, dar muita risada e perceber que não temos nada a ver com a vida dos outros. As escolhas que lhe fazem bem só dizem respeito a quem as toma. E é assim, de forma leve e impecável que a gente descobre mais uma forma de amor, sem tabus, sem preconceito. Porque feio não é amar; feio é ser intolerante. É matar. É machucar. É roubar a liberdade de escolha do outro. Enquanto for por amor, que todos amem muito e cada vez mais.
Já levei algumas pessoas para a maratona “You Me Her” e garanto: só tive retorno positivo. Como diria Rita Lee: “agora só falta você”.
Publicado originalmente aqui.