Dona Flor e Seus Dois Maridos


Dona Flor e Seus Dois Maridos

Jorge Amado é um dos escritores brasileiros mais traduzidos de todos os tempos e, mesmo assim, não temos noção da grandiosidade desse gênio baiano. Em 1966, o romance “Dona Flor e Seus Dois Maridos” foi publicado. De lá para cá, a história da moça que dá aulas de culinária na sua escola “Sabor e Arte”, já ganhou uma adaptação cinematográfica em 1976, dirigida e roteirizada por Bruno Barreto, estrelada por Sonia Braga no papel principal, José Wilker como Vadinho e Mauro Mendonça como Teodoro. Essa versão foi recordista de público no cinema brasileiro, sendo ultrapassa apenas em 2010, 34 anos depois, por “Tropa de Elite”. O marco foi de 10 milhões de espectadores. Pense! Em 1998, virou minissérie na Rede Globo com Giulia Gam, Edson Celulari e Marco Nanini. 10 anos depois, o diretor Pedro Vasconcelos levou Flor para os teatros e agora, presenteia o público levando sua versão para os cinemas.

Estamos no século XXI e a palavra “censura” está quase todos os dias presente nos noticiários. As pessoas ainda não lidam bem com nudez, sexo e empoderamento feminino. Resiste uma sociedade conservadora e machista, que sabemos estar distante do pensamento, ao falarmos em “Brasil”. Se em novembro de 1937, a Ditadura Vargas queimou 1.640 livros de Jorge Amado, em 2017 temos boicotes a museus e emissoras, por conta do seu conteúdo. E como trazer de volta para o público um autor explícito em sua linguagem? A impressão é de que Jorge sempre esteve à frente do seu tempo, e do nosso. Pedro Vasconcelos, que vem de um sucesso recente da TV, “A Força do Querer”, novela de Glória Perez que levou temas polêmicos para dentro dos lares brasileiros (transexualidade, tráfico, vício), diz que não há problema e completa dizendo que debate é importante numa sociedade democrática. Dessa forma, podemos ver as caras repressoras, para que não se trabalhe dentro de uma censura velada, mas que existe.

Juliana Paes comentou sobre o fato de ser a história de uma mulher com dois maridos, apontou para o empoderamento feminino e disse como o filme é importante para o momento. É verdade! Com a mulher conquistando, a cada dia, o seu espaço, exemplos femininos são sempre oportunos e bem-vindos. E é fantástico como Jorge, há tempos, já colocava a mulher numa posição independente e dona de si. É a segunda vez que a atriz dá vida à uma personagem do escritor, que já foi vivida por Sônia Braga. Ao ser questionada sobre o fato, Juliana diz que quando interpretou Gabriela, fez um a homenagem à Sônia, mas que ao dar vida à Dona Flor se sentiu mais próxima da personagem, porque se identifica com o jeito da mesma. Não é à toa que Juliana está brilhante. Para quem tem “Bibi Perigosa” em mente, pode esquecer. No filme vemos outra pessoa; a Flor de Jorge.

Como passa a maior parte do tempo nu, Marcelo Faria contou que não tem problema com isso. Para ele é o personagem, então não há desconforto ali, nem nas cenas de sexo. Facilita o fato de haver uma união na equipe e de ser amigo de Juliana, de quem foi padrinho no casamento. Há bastante química entre ele, ela e Leandro Hassum. Esse último, dando vida a um personagem sério. Para quem está acostumado a ver Hassum em comédias, pode haver estranhamento no primeiro instante com a personalidade mais fechada de Teodoro, o segundo marido de Flor. Mas o carisma do ator ajuda; e mesmo nas cenas mais sérias, não tem como segurar a risada. 
No filme, Dona Flor (Juliana Paes) fica viúva de Vadinho (Marcelo Faria), um malandro vadio, que adora mulheres, jogar, beber e vive às custas da esposa. Em plena festa, Vadinho acaba partindo para outra, após morrer repentinamente. Flor fica de luto, mas segue a vida e casa-se com Teodoro (Leandro Hassum), que é o oposto do falecido. Apesar de muito amor pela esposa, falta paixão e fogo ao farmacêutico. Com uma vida aparentemente perfeita, Flor se sente cada vez mais infeliz e chama por Vadinho, que lhe aparece em espírito. A professora de culinária se vê dividida entre o amor de dois homens e acredita que precisa se livrar do falecido apesar de não conseguir de forma alguma.

O filme está incrível! Mais fiel à obra de Jorge, principalmente no que diz respeito à cronologia do livro, o trabalho de Pedro Vasconcelos, que além de dirigir escreveu o roteiro, é impecável. A Salvador da década de 40 está muito bem representada em seu cenário e figurino, além de uma fotografia belíssima (obra de Luciano Xavier, que trabalhou com Pedro em “A Força do Querer”). O sotaque baiano está perdoável, já que não ficou exagerado como costuma ser. Outro ponto fortíssimo é a trilha sonora marcante. A composição e mixagem de Rodolpho Rebuzzi e Marcelo Arruda dão o tom certo ao filme. E quando toca Bethânia... Pedro disse que pensou que a cantora seria a voz certa dos sentimentos de Flor, somada à sua força e delicadeza. É de arrepiar, quando Maria Bethânia começa a cantar “É o Amor” e “Gostoso Demais”.

Incomparável à sua versão anterior, “Dona Flor e Seus Dois Maridos” ganha um olhar novo, que merece ser visto e apreciado, porque é mais um filme para engrandecer o cinema nacional. Ninguém tem a pretensão de ser melhor do que Bruno Barreto, Sônia Braga, José Wilker ou Mauro Mendonça, não é um remake. É uma nova roupa de um dos clássicos que andava empoeirado na estante e foi trazido de volta para que o brasileiro não esqueça dos tesouros que sua terra tem. Um filme de amor, mas que tem diversas mensagens para serem aproveitadas, incluindo a apreciação à literatura nacional. Gostoso de assistir, gostoso de ler e gostoso de aprender. “Dona Flor e Seus Dois Maridos” é IMPERDÍVEL!


 Entrevista com Pedro Vasconcelos e Marcelo Faria:



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